Marilia Garcia

Renato Parada Marilia Garcia

A poesia brasileira não para de revelar autores instigantes, capazes de romper com a tradição e captar os ventos globais. Em uma época em que talentosas autoras mulheres como Angélica Freitas e Bruna Beber vêm se revelando como vanguarda, Marília Garcia é mais uma voz celebrada na nova geração.

Nascida em 1979, no Rio de Janeiro,  ela publicou os livros 20 Poemas Para o seu Walkman (Cosac Naify, 2007), Engano Geográfico (7Letras, 2012), Um Teste de Resistores (7letras, 2014) e Paris não Tem Centro (7letras, 2015).

Como diz Italo Moriconi na orelha de Câmera Lenta (Companhia das Letras) trata-se de uma “poética desbravadora, sofisticada, antenada”.

Na obra de Marília, o poema é o lugar para experimentar, exercitar o pensamento “ao vivo” e testar procedimentos novos, sempre em aberto.

Nós conversamos com a autora sobre seu novo livro, literatura, rituais para escrever e que outros autores gosta e indica e outros assuntos. Leia a seguir:

Qual é o conceito de Câmera Lenta e como chegou até ele?
Marília Garcia – Existe um diálogo com o cinema ao longo do livro: desde poemas que descrevem cenas de filmes, passando por citações de filmes até o uso da câmera como ponto de vista para os textos. Mas o recurso específico da ‘câmera lenta’ no cinema chama a atenção para uma espécie de desnaturalização do próprio cinema.

Quando este recurso é usado, ele acaba marcando que aquelas imagens e aquela narrativa são feitas tecnicamente, ou seja, quando se usa a câmera lenta, ocorre uma espécie de desautomatização da imagem, a cena salta aos olhos de outro modo, somos levados a ver, de fato, a materialidade do filme. De algum modo a câmera lenta do meu título tenta puxar um pouco essa ideia da desautomatização, de chamar atenção para o processo, de dar um pulo para fora do automático.

Além disso, na época em que comecei a escrever este livro, estava aprendendo a editar vídeos para projetar em performances e leituras. Foi um processo autodidata e amador (não trabalho com edição, aprendi apenas o básico para fazer esses vídeos para as leituras).

Então, por um lado, vários poemas do livro foram feitos para serem lidos em voz alta; por outro, eles foram feitos no mesmo momento em que estava aprendendo a mexer com recursos como desacelerar ou acelerar a imagem. E isso foi entrando no processo de escrita dos poemas. Por fim, acho que tem também uma necessidade minha de tentar desacelerar, tentar ver as coisas sem tanta pressa, mais pausadamente, olhar para as coisas e tentar escrever sobre elas.

O que você acha que está acontecendo de mais inovador na poesia hoje?
Marília – Acho que tem muitas coisas acontecendo hoje e faz parte da nossa época esse discurso da proliferação e da diversidade. Acho também que é um sintoma estarmos vivendo uma proliferação também de pequenas editoras e selos que permitem a circulação da poesia de outras maneiras. No meio dessa multiplicidade, gosto muito de experiências que contaminam a linguagem do poema e fazem com que ele encontre outras linguagens, artes plásticas, cinema, música, ensaio, teatro (e até eletrônica, biologia e outras áreas).

Em suma, acho que a poesia tem uma vocação para se deixar contaminar, para conversar com outras linguagens e me interessam as experiências de escrita de agora que têm essa abertura.

O que ficou mais fácil e difícil em seu processo pessoal de escrever e publicar hoje em relação de quando começou?
Marília – Talvez no início não soubesse bem pra onde ir, estava experimentando e tateando no escuro, tentando procurar as coisas que me interessavam mais. Mas a cada livro acontece um pouco esse mesmo processo e continuo assim sem saber para onde ir, tateando no escuro e procurando algum caminho.

Talvez a diferença seja mais quanto à relação com os outros: hoje me chamam para falar sobre a escrita e existe uma demanda que me faz pensar no trabalho de outras maneiras. Também essa demanda transformou minha escrita, desde meu último livro tenho feito poemas para apresentar, poemas que são falas, mas essa experiência continua sendo feita às cegas, tateando no escuro, procurando o caminho.

O que te motiva a escrever um poema novo?
Marília – A experiência de tentar fazer um objeto verbal A possibilidade de dialogar com um poema da Adília Lopes, com uma canção da Björk, com um filme-ensaio do João Moreira Salles, com um romance do Tolstoi A necessidade de pensar com a mão: pegar uma palavra, trocar de lugar, escrever uma frase, chegar a pensar algo que só acontece puxando as palavras, uma depois da outra. A vontade de deixar a escuta aberta para ouvir alguma coisa que pode entrar nos poemas.

Numa espécie de livro de viagens do Antonio Tabucchi, A mulher de Porto Pim, ele fala sobre as baleias que existem nos Açores. Em determinado momento, ele conta que as baleias se comunicam por meio de ultrassons e que seus chamados por ondas podem ser ouvidos a centenas de quilômetros de distância.

Hoje em dia (o livro se passa nos anos 80), há tantos ruídos mecânicos de navios e submarinos debaixo d’água que, embora as baleias continuem tentando se comunicar, já não conseguem se ouvir, as ondas se perdem no meio dos ruídos submarinos. Eu fiquei bem impressionada com essa história e isso aqui é só um exemplo de uma motivação para escrever.

No “Câmera lenta” tento dialogar com o Tabucchi mas pensando numa experiência parecida: hoje em dia há tantos ruídos de máquinas voadoras no céu, helicópteros e aviões e drones, que talvez não possamos mais ouvir as ondas sonoras se propagando pelos ares.

Quais são seus rituais para escrever?
Marília – Gosto de fazer anotações de vários tipos: desde poemas que li e copio até trechos de livros de assuntos variados, até uma frase que leio no jornal ou ouço na rua, até um diálogo que copio de um filme ou de uma palestra. Até coisas que penso que estão acontecendo comigo, até uma frase da minha analista. Vou juntando essas notas em cadernos e post its e em arquivos e vou pensando e criando relações entre tudo isso.

Que poetas da atualidade mais gosta e indica?
Marília – Gosto de muita coisa que tem sido feita hoje, mas no meio disso, há neste momento muitas poetas mulheres excelentes escrevendo e publicando, muitas com um trabalho excepcional, com uma escrita própria, em movimento, cada uma com um caminho bastante diferente.

É com admiração e espanto que leio e acompanho a Ana Martins Marques, que tem um trabalho de reflexão sobre a linguagem e sobre a escrita mesclando isso com temas cotidianos; a Angelica Freitas, que tem trabalhado com séries de um modo bastante iconoclasta; a Alice Sant’Anna, que tem uma marca narrativa forte nos poemas, com textos mais longos, ou a Annita Costa Malufe, que também trabalha com poemas narrativos longos mas mais metalinguísticos, ou a Bruna Beber, que traz uma marca de oralidade forte nos textos.

Isso pra não falar de poetas que li mais recentemente como a Ana Estaregui, de quem li o último livro, uma série com poemas sobre objetos e coisas, ou a Flávia Peret, que fez seu último livro expandir num site que funciona como díptico (www.umamulher.org). Uma breve lista que tem crescido bastante.


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'Há neste momento muitas poetas mulheres excelentes', diz voz celebrada na nova geração